Chacina de Unaí: o crime que deu origem ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

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O dia 28 de janeiro carrega um peso histórico no Brasil. A data foi instituída como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, mas sua origem remete a um crime brutal que chocou o país. Em uma emboscada cruel, quatro servidores da fiscalização trabalhista foram assassinados enquanto investigavam denúncias de exploração de trabalhadores no interior de Minas Gerais. O que eles descobriram, e o que aconteceu depois, revelou muito sobre o poder e a impunidade no campo brasileiro.

A tragédia aconteceu na cidade de Unaí, a cerca de 600 quilômetros de Belo Horizonte. O caso ficou conhecido como Chacina de Unaí, um crime que expôs os riscos enfrentados por aqueles que combatem o trabalho escravo e denunciou um sistema onde a violência era usada para silenciar quem ousava desafiar os poderosos.

Uma emboscada mortal

No dia 28 de janeiro de 2004, os auditores-fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, junto com o motorista Ailton Pereira de Oliveira, saíram para uma fiscalização de rotina. Eles investigavam denúncias de condições degradantes em fazendas da região. Mas nunca completaram a missão.

No caminho, foram cercados e brutalmente assassinados a tiros. O crime foi meticulosamente planejado. Não se tratava de um assalto, mas de um recado claro para quem tentava enfrentar o trabalho escravo no Brasil.

Por trás do ataque, estavam fazendeiros influentes da região. O nome que se destacou entre os acusados foi o de Antério Mânica, um dos maiores produtores de feijão do país e ex-prefeito de Unaí. Mas ele não agiu sozinho.

Quem mandou matar?

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), Antério e seu irmão, Norberto Mânica, foram os mandantes da chacina. Eles queriam calar Nelson José da Silva, auditor que investigava irregularidades em suas propriedades. Ameaças já faziam parte da rotina do fiscal, mas dessa vez, os criminosos decidiram ir além.

Para executar o plano, contrataram pistoleiros. As investigações revelaram que os intermediários do crime foram Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro, que organizaram a emboscada e recrutaram os atiradores.

Os pistoleiros Erinaldo Vasconcelos, William Miranda e Rogério Allan foram responsáveis por executar os quatro trabalhadores públicos. As penas aplicadas variaram, mas a justiça demorou a alcançar os culpados.

Julgamento e condenação

O primeiro julgamento de Antério Mânica ocorreu em 2015. Ele foi condenado a 100 anos de prisão por homicídio qualificado. No entanto, em 2018, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) anulou a sentença alegando insuficiência de provas. Foi necessário um novo julgamento, que resultou na condenação definitiva em 2023: 64 anos de prisão.

Seu irmão, Norberto Mânica, também foi condenado, inicialmente a 100 anos. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), conseguiu reduzir a pena para 56 anos.

Entre os intermediários do crime, Hugo Alves Pimenta recebeu pena de 31 anos e seis meses, e José Alberto de Castro foi condenado a 58 anos e dez meses. Já os pistoleiros tiveram sentenças superiores a 50 anos, mas nem todos estão presos. Erinaldo Vasconcelos cumpre pena em regime aberto, William Miranda está detido, e Rogério Allan continua foragido.

O impacto da chacina e o combate ao trabalho escravo

A Chacina de Unaí evidenciou as dificuldades da fiscalização do trabalho no Brasil. Auditores que lutam contra a exploração de trabalhadores ainda enfrentam ameaças e condições precárias de segurança.

O crime também provocou mudanças. O governo brasileiro reforçou o combate ao trabalho escravo e criou medidas para proteger os fiscais. No entanto, muitos casos continuam invisíveis, especialmente em áreas rurais e setores como a pecuária, carvoaria e agricultura.

O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, criado em homenagem às vítimas da chacina, simboliza essa luta. A data reforça a importância da fiscalização e da punição de fazendeiros que ainda exploram mão de obra em condições desumanas.

Conclusão

Vinte anos após a chacina, o Brasil ainda enfrenta desafios no combate ao trabalho escravo. O caso de Unaí não foi isolado, e a impunidade ainda é uma realidade. Embora alguns mandantes tenham sido condenados, o sistema de exploração continua em várias regiões do país.

A história dos auditores assassinados é um lembrete de que a justiça é lenta, mas necessária. E que a luta por condições de trabalho dignas é uma batalha constante, que precisa ser lembrada e reforçada todos os dias.